20 de março de 2009

Sobre o "Criados-Mudos"













Criado-mudo, móvel quase sem utilidade... O termo "criado-mudo" se deve ao fato de que a mesa de cabeceira serve como auxiliador, portando objetos os quais não se pretende carregar. Tal função era cumprida por mordomos e criados entre pessoas ricas. Por ser um objeto inanimado e ter utilidade prática equivalente à de um mordomo, é chamado de criado mudo.
crado, de criação....
criado de criadagem..., subserviência...


Eu nasci em 1967, e cresci sob o regime do medo...

Lembro de um fato na escola, devia ter uns 11 anos, foi tipo em 78... era na época que o governo fazia palestras nas escolas publicas do Pará sobre a construção da hidroelétrica de Tucurui.
Eu estudava no Núcleo Pedagógico Integrado que é a escola da UFPA, universidade onde minha mãe era professora de filosofia [departamento monitorado como foco de resistência]. E quando vieram palestrar no NPI eu me arvorei a fazer 1 única pergunta.... Nas imagens que mostravam de Tucurui apareciam vários pescadores e outros ribeirinhos, e eu perguntei o que iria acontecer com essas pessoas. O palestrante - depois soube que era oficial das forças armadas - me levou pra frente da plateia de 300 estudantes e me apresentou como 'representante do pensamento que quer o atraso nacional', e passou uns 10 minutos - pra mim uma eternidade onde eu tentava o controle emocional pra não chorar - falando como gente como eu impedia o progresso... Depois que voltei pro meu lugar, perguntou a platéia se peferiam manter 20 pescadores em suas palafitas num fim de mundo ou o progresso da eletricidade que ia beneficiar milhares de pessoas... A aclamação pela eletricidade é óbvia, e eu passei um tempo sendo chamdo de atraso nacional por lá.


Também era óbvio que eu nada falava desse epsódio, pra mim era constrangedor e não comentei nem em casa que eu havia sido ridicularizado e humilhado publicamente na escola. Mas uns 15 dias depois minha mãe chega possessa em casa perguntando o que eu tinha feito.... Ela - que não sabia do fato - tinha sido convocada a comparecer na sala do reitor, onde estavam presentes o dito oficial palestrante e policiais federais que lhe pediam explicações da minha pergunta...., pois aquilo não era pergunta para uma criança de 11 anos, e se eu tinha me manifestado daquele jeito era porque eu escutava essas coisas em casa e a origem do questionamento deveria ser ela, que era do 'antro subversivo' da filosofia e ciências humanas... Ela, deveras astuta, se livrou da pressão na reitoria da UFPA dizendo qualquer coisa assim 'eu não sei o que está acontecendo com esse menino, nem quem pode ter colocado essas coisas na cabeça dele, mas fiquem tranquilos que eu vou tomar providências, pois vocês estão certos e isso não é pergunta que se faça'... E a mim ela disse que se orgulhava da minha percepção humanista diante da propaganda técno-progressista, mas que esses questionamentos fossem feitos a ela ou a pessoas de confiança dela, jamais em público... Que vivíamos numa ditadura e questionamentos críticos em público podiam prejudicar todos ao meu redor.

Pra mim a coisa toda foi entendida mais ou menos assim.... 'se eu falar o que não se fala minha mãe será presa e demitida, eu posso até pensar, mas não posso falar'.... dai em diante fui 'criado mudo'....

Dessa experiência pessoal é que vem a idéia de fazer os criados-mudos... E também é evidente que quando eu senti que eu podia, comecei a falar... e a esculachar..., pois se eu tive que ser subserviente pra sobreviver, isso foi apenas um período da minha vida, aliás um período da história brasileira que eu faço questão de relembrar e de tornar conhecido das gerações mais novas.
http://criados-mudos.blogspot.com/2009/03/imprima-copie-cole.html
O trabalho é coletivo, e até posso dizer que é anônimo, pois recebo fotos de gente que eu não conheço e vindas de várias cidades, mas eu imagino que essas pessoas tenham vivido situações semelhantes, pois aderem a proposta - se manifestam.


E como os cartazes estão disponíveis na internet, espero que sejam impressos e colados em lugares públicos, e que ter contato com os cartazes nesses lugares possa provocar a reflexão sobre os anos de chumbo...

O Criados-Mudos é parte de uma mobilização nacional de artistas e eu posso dizer que o que nos une é a valorização [e contra qualquer violação] dos Direitos Humanos, e a preservação da memória da história recente brasileira. Nossa articulaçnao começou numa conversa minha com a Lúcia Gomes, ela havia se manifestado quando da prisão da adolescente na cela com 20 homens em Abaetetuba, e tava fazendo um trabalho nos banheiros públicos de Belém, e esse trabalho tem a memória da ditadura como tema... e ambos estamos indignados com a publicação de textos saudosistas e que amenizam a violência dos [governos] militares, e resolvemos provocar a reação, afinal os artistas também foram peça-chave para a reação e contestação da ditadura.

E viva Cacilda Becker, estamos todos na Roda-viva....

Arthur Leandro