Crônica da ação da rede [aparelho]-: no carnaval 2009, desfile das escolas de Samba de Belém na Aldeia Cabana de Cultura popular Davi Miguel. Amazônia Brasileira. Ou crônica de um jornalista incidental, ou como se tornar um agente da informação.
Palavras Chave: Carnaval, tradição, cultura popular, informação livre, tecnologia do possível, mídia tática.
Esse período em Belém do Pará (novembro até março) chove diariamente o dia todo. Então, ficar em casa no carnaval não é uma má idéia. Mas como sempre, nunca faço isso. Os meios de comunicação estão sempre incentivando a ida dos brincantes para o interior, ou mesmo para outros estados. Isto dá uma noção do incentivo e valorização que as autoridades e a imprensa, leia-se grande mídia local, dão a esta manifestação cultural.
Diferente, por exemplo, das noticias que escutamos de cidades como Recife e Salvador, em Belém o centro da cidade parece ficar abandonado. Visão que muda totalmente, quando se chega ao desfiles das escolas de samba na Aldeia Cabana de Cultura popular Davi Miguel, ou mesmo, dando um rolê nos bairros periféricos, onde é quase certeza você trombar com um bloquinho de carnaval pra lá de animado na rua.
Este ano a Rede Aparelho abriu o guarda-chuva e saiu para avenida, e lá estávamos nós fazendo registros do desfile das escolas de samba do grupo especial. Em especial os registros da gloriosa Embaixada de Samba do Império Pedreirense e, a não menos gloriosa, Grêmio Recreativo Cultural e Carnavalesco "DEIXA FALAR".
Eu, com os olhos e o coração na Tradição Guamaense, escola do Bairro onde morei e estudei por alguns anos, também tinha esse desfile no foco de atenção...
A proposta partiu de Arthur Leandro, que se identifica como "artista ou coisa parecida", e é militante dos movimentos sociais e articulador da rede aparelho. Ele sempre disse que o carnaval e as escolas de samba são manifestações de resistência política e cultural, e eu concordo. A proposta era a de fazer registros das escolas de samba de Belém e publicar na internet como conteúdo de livre circulação.
Registros visuais, sonoros, digitais, corporais, sensoriais, tudo para a divulgação de informação diversificada. Como? Articulações e contatos com a FUMBEL e recebemos crachás de imprensa para circular na avenida e na concentração das escolas.
Com o quê faríamos? Tecnologia do possível: celulares, câmeras digitais, dois laptops (um com apenas 9 G), cabos USB, sombrinhas, torradinhas, patês e.... E viva a Terra Brasilis!! Por quê? As manifestações culturais populares sempre foram praticas de resistência dos povos oprimidos, portanto, normal que as informações difundidas pela grande mídia sobre estas atividades sejam superficiais, quando não equivocadas, ou mesmo difamadoras.
Normal coisa nenhuma, a rede [aparelho]-: sempre teve contato e participação direta nos movimentos da cultura popular que circundam este evento. (casas de santo, grupos de bois-bumbás, cordões de pássaros juninos e etc). Como sempre, este ano na avenida a cultura popular foi a grande homenageada. A E.S Império Pedreirense festejou as "crias do Curro-Velho" escola de samba formada por crianças que participam das oficinas no Curro-Velho, instituição que fomenta as práticas populares e a preservação das culturas tradicionais.
A Deixa Falar exaltou a alquímia das ervas da Amazônia e as sagradas benzedeiras do Ver-o-Peso, celebrando o caldeirão que é a cultura cabocla amazônida. Cultura que vive na fronteira com a Urbe fundindo-se física e simbolicamente num único espaço-tempo, mesmo que de temporalidades diferentes. A nossa Aldeia Cabana (e que assim permaneça no nosso imaginário) exalava banho de cheiro por todos os lados, e o melhor, todo mundo (quem precisava estar lá) estava lá, a diversidade era a palavra da vez: macumbeiros, cristãos, artistas e não artistas, políticos ladrões - ih esqueci o "e" pra separar os dois de trás - vendedores ambulantes e os grandes empresários. O terreno perfeito para entrar em ação os agentes da informação, disfarçados, na avenida, de rede [aparelho]-:.
Bom..., um Mp3 na mão, vários mestres da cultura popular circulando pra lá e pra cá, mestres sala, porta bandeiras, baianas, puxadores, garis, vendedores ambulantes, brincantes, policia... Vamos lá, o negocio é "deixa falar". De repente, uma coisa engraçada, percebi que todos ali eram agentes. Um brincante com a camisa de uma escola torcia pro seu parente que desfilava na outra, um policial, que vez ou outra acompanhava o ritmo com a ponta do pé e, naquele movimento contido, toda a energia de uma bateria fazendo com que, por um momento que seja, talvez esquecesse sua função ali.
Como a dona Conceição, que estava desfilando na primeira ala da Tradição Guamaense, escola de samba do nosso querido bairro do Guamá, ela, que gosta de desfilar na Tradição, mora no bairro do Marco e sua escola de coração é, nada mais nada menos que, a famosa Quem são eles. Que é do bairro do Umarizal. E eu até entendo a Dona Conceição, tanto o Quenzão quanto a Tradição são escolas, como sempre, guerreiras...
A Tradição este ano arriscou tudo na fusão dos ritmos amazônicos, e alternou umas batidas de tecnobrega e carimbó no seu enredo: Tecnosamba, homenageando as aparelhagens e-levando a galera ao delírio nas arquibancadas. Todos fazendo o T ['T' de Tradiçnao e do tupinambá, aparelhagem das mais famosas de belém]. Demais!
E uma das últimas experiências deste agente que vos fala. Uma das mais emocionantes, por sinal, foi ver, às 6 da manhã a famosa bateria do "Quem são eles" passar, simplesmente FANTÁSTICA! Não é a toa que dizem ser a melhor.
No final das contas, não é difícil sentir-se um pouco 'Embaixada' do samba, e Deixa Falar a Tradição..., independente de Quem são eles, na hora do Rancho, todo mundo Bole-bole na aldeia da Pedreira.
Câmbio e desligo!
Rodrigo Ethnos, [Rede Aparelho]:-
[1] Agente: Um agente é uma entidade autônoma, que toma decisões sozinha sem a interferência de um sistema ou outra entidade. Um agente deve ser capaz de interagir com o ambiente à sua volta e com outros agentes, escolhendo confiar e cooperar ou não com os mesmos. http://pt.wikipedia.org/wiki/Agente
[2] Originalmente publicado em
http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2009/03/441998.shtml